Gustavo está com fome: puxa a pimenta, joga farofa no pretinho e destrincha sua feijuca sem miséria. Nem sempre foi assim. “Estou voltando a sentir o gosto da comida”, conta, no PF em frente ao lugar em que conversamos, um de seus QGs em São Paulo, a Matilha Cultural. Vivendo no subúrbio paulistano de Granja Viana, o são-gonçalense Gustavo de Almeida Ribeiro, 44 anos, a.k.a Black Alien, só cruza os 36 quilômetros até o centro de São Paulo se for a trabalho. Fugiu pro mato justamente para retomar o apetite. Anos atrás mal comia direito – o ritmo do seu flow era ditado pela trinca álcool, cocaína e balada.
Tinha sumido na fumaça o rapper que despontou no estrelado Planet Hemp e se consolidou como um dos principais nomes do hip-hop com Babylon By Gus Vol. 1 – O ano do macaco, em 2004. Em 2010 a depressão bateu forte ao ecoar a morte do parça SpeedFreaks. Dali em diante seu skate, rolê de todas as horas, só desceu ladeira abaixo, no embalo da drogadição. Até que Gustavo resolveu se internar para um rehab: foi lá que nasceu Babylon By Gus Vol. 2 – No princípio era o verbo, financiado por um crowdfunding. “Foi um compromisso que assumi com o meu público.” O elogiado álbum lançado em 2015 simboliza a transição do rapper vida loka para o mundo sóbrio. “Sóbrio, mas não santo”, sorri Mister Niterói, finalizando a carne-seca com um suco de limão. Menos azedo, mas mantendo o discurso duro, Black Alien pede um café preto. A fome agora é de verbo.
Hoje faz 12 anos que você fez seu primeiro álbum, O ano do macaco. Voltamos agora a outro ano do macaco no horóscopo chinês. Como você percebe esse ciclo? Eu era um balão inflado flutuando por sobre tudo sem ver nada. Não lia, escrevi pouco, me diverti pouco, trabalhei pouco. Agora estou dialogando de verdade. Eu não ia ao banco, cara. Pegava o dinheiro, dava na mão da namorada, dos amigos, da mãe. Vivia a vida do rock’n’roll. Mulheres, drogas, rap. Quando lancei o Vol. 1 não estava preparado pra ver como o disco atingiu o coração das pessoas. Fiquei assustado: recebia santinhos, patuás, flores, imagens… Comecei a ir pro lado mais sombrio da drogadição. Por isso, por incrível que pareça, hoje eu vejo beleza até em uma fila de banco [risos].
Você era dependente de quê? Álcool e cocaína. Não comia. Fumava maconha só pra dormir. E às vezes era um tiro pela culatra: a maconha dava ansiedade e me fazia ter vontade de cheirar. Então ficava numas de fuma e dorme; acorda, cheira e bebe… e não comia, porque tinha muito refluxo. E a química é tão perversa que, quando você acha que vai morrer, dá um teco e sobrevive. Tive duas overdoses, em 1999 e 2013. Microderrames… minha fala embolou. Felizmente voltei a treinar o flow no tratamento fechado. Era vassoura, corrida, caminhada, limpeza, tudo pra voltar a treinar o meu flow… são muitas sílabas por minuto.
Qual era a sua rotina nesses seis meses de clínica? Disciplina forçada.
E Deus não seria o suficiente pra eu cumprir com aquilo. Você tem que ter metas. Falava pro terapeuta: “Pra semana que vem eu quero ler A arte da guerra, parar de fumar, fazer exercício, arrumar minha cama e chegar no horário”. Semana seguinte ele perguntava: “Conseguiu?”. Eu dizia que sim. Agora imagine uma terapia com 20 doidaraços, todo mundo mentiroso – e inocente. Se eu fumasse escondido e o companheiro visse, dedurava. Daí tive a ideia do crowdfunding. A campanha terminou em dezembro e em janeiro me internei. As pessoas acreditaram em mim num momento em que nem eu acreditava, e isso me fez acreditar. Com os R$ 50 mil gravei o Vol. 2.
À esq., no auge, com Marcelo D2 e Zé Gonzales durante a turnê do Planet Hemp em Santa Catarnia, em 2000; ao lado, à dir., Black Alien e parça Speed em Niterói
Entrevista completa: http://revistatrip.uol.com.br/trip/black-alien-do-planet-hemp-conta-como-superou-as-drogas-e-a-morte-do-melhor-amigo