To há semanas pensando em qual seria o texto perfeito pra dar start às minhas postagens aqui, surgiram muitas pautas no meio do caminho mas a falta de tempo e o compromisso de entregar um TCC me impediram de ser útil em qualquer uma delas. Dois lançamentos em especial me ajudaram bastante a compor esse raciocínio do texto de hoje: Gigantes e BLVESMAN, já alimentados por outros antigos lançamentos e características que eu vinha observando na cena atual.
É difícil falar sobre o novo álbum do BK sem falar em tudo que precedeu o álbum e em como Castelos e Ruínas e Gigantes não foram pensados sozinhos. Calma, eu vou explicar. Um dos grandes problemas de estrutura e identidade nos rappers de hoje em dia é uma certa inconstância e instabilidade na consistência das obras, alguns MC’s parecem pessoas diferentes em cada álbum e em cada trabalho e isso quebra pra mim, sinceramente, a experiência de admirar o artista completo e sinto que passamos a admirar pedaços incompletos destes artistas e nos tornamos também ouvintes incompletos e sem estruturas pra criticar obras.
Já adianto que esse texto não é nenhuma análise profunda sobre os álbuns porque eu acho que isso é difícil demais pra alguns carácteres e seria um desserviço analisar coisas pela metade em obras inteiras. Sem contar que um vídeo tornaria a experiência de uma análise bem mais interessante, com referências visuais, principalmente se formos falar do Blvesman, que é uma das maiores obras audiovisuais do RAP brasileiro hoje em dia (falando sobre conceito visual, estratégia de divulgação e o filme do álbum, não tanto do álbum em si).
Esse texto tem como principal objetivo promover uma pequena discussão sobre esse vazio geracional que vemos cada vez mais estampado explicitamente em obras de RAP. Esse vazio que é, na minha opinião, um reflexo de um momento extremamente delicado e pessimista que vivemos no mundo (sim, no mundo) com retrocessos conservadores e avanços direitistas tanto políticos quanto comportamentais e que provocam duas diferentes consequências na música, cultura e comportamento das gerações mais jovens.
A começar pela depressão, que sim, eu sei, é também muito consequência da quantidade absurda de conteúdos aos quais temos acesso e, mais do que isso, de um distanciamento por meio das jovens telas trincadas (como suas relações), que fazem com que estejamos sempre presentes mas nunca próximos, e essa depressão é também um reflexo de uma falta de propósito dos jovens. Esse sentimento ficou assustadoramente presente pra mim em Deus do Furdunço porque constantemente eu escuto aquela voz no meu ouvido que me faz sentir que quando eu não vou sair eu vou perder algo, aquela sensação de que a gente sempre tem que estar cercado de pessoas mesmo que isso envolva ter que se deslocar até uma festa que você não quer ir, com pessoas que nem são tão suas amigas e que você sinta aquela sensação inevitável que pega todos nós após a ressaca moral: o vazio. Esse ponto é delicado, porque, pra mim, mulher, branca, de classe média é fácil falar sobre propósito, afinal, eu nasci em uma família estruturada, nunca passei necessidade nenhuma, estudei em escolas e faculdade particular mas a depressão não poupa ninguém, e é exatamente isso que faz com que os sons tristes aproximem tanto pessoas e toquem tanto no Youtube, no Spotify, nas quase extintas mas ainda importantes e influentes (papo pra outro texto) rádios, grandes mídias e nos meus, seus e nossos fones de ouvido.
Mas esse momento pessimista também gera um reflexo que eu sinto que poucas pessoas estão identificando: a resiliência, uma palavra que de tanto as pessoas usarem já perdeu o sentido (tipo empatia), mas que no significado quer dizer a capacidade de se regenerar, de ressurgir das cinzas, de crescer mesmo no caos. A capacidade de apanhar e voltar a forma original (mesmo que a gente saiba que apesar de – por fora- a forma continuar igual, por dentro muda muito). Dentro dos clichês mais batidos, o que melhor do que o ódio e a intolerância pra fazer com que, quem é contrário à esses sentimentos, se posicione ainda com mais veemência e propriedade? A prova disso são as descobertas do RAP nesses últimos anos, Baco e Diomedes, após o sulicídio, questionando o sistema do próprio rap, Djonga, Drik, BK, Tassia Reis, Sant, Bivolt, Makalister, Don L entre tantos outros incontáveis artistas grandiosos (não só brasileiros, mas quis me manter na lista daqui) que só são os artistas que são justamente por terem sido em algum momento escanteados, marginalizados e constantemente colocados à prova e não, isso não é uma romantização da marginalização das camadas mais baixas, o que me leva a um terceiro ponto sobre esse vazio geracional.
Talvez ao acabar o texto eu me sinta uma adolescente de 15 anos ouvindo hardcore ou Jesus Chorou, tomando um vinho e pensando no sentido da existência, mas esse texto tem o objetivo de estimular uma discussão: o primeiro é que a gente perceba que não é de uns meses pra cá que as sad songs no RAP ficaram ‘cool’, ano passado quando o XXXTentacion lançou o SAD eu lembro de ler milhares de críticas e reviews falando sobre como o álbum era experimental e inventivo, mas chega aqui perto e não fica triste, mas: não era. A diferença é que antes a tristeza era retratada com motivos específicos, no caso do PAC por exemplo, em Dear Mama ou Eminem com Mockingbird ou com as próprias sad songs de amor que são “sad” porque o amor não deu certo, mas elas tem um MOTIVO, saca? O amor que não deu certo, a história da mãe ou da filha.
O segundo ponto pra discussão é que o maio problema hoje em dia é justamente que esse vazio parece não ter exatamente uma explicação específica, sendo assim cada vez mais difícil de preencher ele (falo muito por experiência própria) e de explicá-lo, o que justifica o ‘hype’ (em muitos casos merecidos) de obras que conseguem retratá-lo com sensibilidade e maestria ainda mais em um gênero como o RAP que é, normalmente – não mais majoritariamente- mas normalmente retratado com agressividade (o que não torna menos sensível).
Mas estas características tornam quase insustentável remediar esse vazio ou buscar sua origem: ele é um amontoado de coisas, o que nos leva pra o desfecho nada feliz que eu quero trazer aqui: cerca de 800 mil pessoas por ano tiram a própria vida, sendo o suicídio a segunda causa de morte no planeta entre jovens de 15 a 29 anos, perdendo pra violência (que também tem relação com a falta de propósito e com um certo vazio, porque usamos band-aids emocionais pra tapar os vazios, sendo um deles a raiva), e existe hoje uma clara romantização do suicídio, da tristeza e até desse vazio, principalmente entre os artistas, como um estado de coexistência, como se o vazio só existisse pra fazer o artista e o artista não pudesse existir sem o vazio.
A romantização irresponsável desse sentimento já se mostrou insustentável em muitos aspectos e normalmente é difícil de representá-la, o álbum novo do Baco, Blvesman, aborda bastante essas sensações, mas sem aprofundá-las, senti falta disso na obra dele, que com certeza tem um valor inquestionável pra cena como MC, (mas isso também é papo pra outro texto).
E dentro da indústria musical ou comercial é comum vermos as pessoas tapando esses vazios com vícios, drogas, relações superficiais, dinheiro (minha vida tá chata, quero enriquecer), sexo e bebida o que resulta muitas vezes no suicídio inconsciente que já levou muitos dos nossos: overdose, cirrose, acidentes de carro e mortes por envolvimento com tráfico ou brigas
Talvez todos nós sempre tenhamos vazios pra preencher, alguns mais profundos, outros mais rasos, outros conseguindo ignorar com uma capacidade invejável esse sentimento. No fundo é todo mundo quebrado, alguns tem paciência o suficiente pra comprar um band-aid ou mertiolate pra ajeitar mas a longo prazo isso é tratar as consequências ao invés de tratar as origens, as pessoas não procuram a origem do porquê serem como são e é isso que aos poucos mata elas. Não é simples ou fácil encontras as raízes que criam a base desse pacote que somos nós mas é surpreendentemente libertador.
Veja pelo seguinte cenário: há cerca de dois anos você tenta se recuperar de uma gripe que não melhora nunca, gasta dinheiro com xarope, sorinan, vic vapo rub (que por algum motivo as mães sempre acham que resolve) e há cerca de dois anos você fica duas semanas bem e a gripe volta, duas bem e a gripe volta… até que descobre que a origem dessa gripe pode ser a sua baixa imunidade, falta de uma vitamina ou outra e que ao remediar a origem da gripe não terá mais que me preocupar com as consequências dela porque ela simplesmente não vai existir.
Nossos vazios são a gripe da nossa alma.
Talvez seja essa não busca pelo MOTIVO que nos deixe assim tão vazios…. (De volta ao motivo [não] de volta ao motivo do motivo) e se faltam propósitos nos nossos rappers (alguns) e jovens de hoje em dia, sobram copos vazios e mentes entorpecidas – infelizmente, mas a gente ainda resiste, mesmo assim. Talvez a gente só queira aquela fé de volta, seja lá no que for.