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Cardi B, Offset, Kéfera e o que isso nos ensina: escutem as minas

Um pouco atrasada mas ainda em tempo quero que a gente pare alguns minutos do nosso dia pra conversar sobre o que aconteceu no último sábado (15). O rapper Offset invadiu o show da ex companheira Cardi B para se desculpar pelas traições em frente à plateia e pedir que a rapper o aceite de volta. Vou explicar o acontecimento de forma breve porque a conversa que eu quero promover não tem muito a ver com o acontecimento em si, mas com o que ele gera e significa, principalmente no mundo do rap – mas não exclusivamente. Muitos especulam que o fato possa ter sido uma “armação” combinada por ambos os lados, mas isso pouco importa e, no fim, a internet nada mais é do que a casa das especulações e das teorias malucas da conspiração, que, a propósito, eu adoro, mas ficam pra outro texto. O papo de hoje é sobre o desrespeito da mídia e do público com as artistas femininas e nisso (não acredito que vou dizer essas palavras) concordo totalmente com a Azealia Banks. O hip hop por mais ‘desconstruídão’ que seja ainda desrespeita muito as mulheres em todos os âmbitos possíveis do cenário, nas oportunidades, nos portais de notícia e especulações midiáticas e por último e não menos importante, no comportamento e tratamento com elas e não é uma característica só do gênero, é da indústria musical de uma forma geral

Não se preocupa esse texto não é um texto vazio usando a cartada do feminismo só por usar, mas vamos começar pelo detalhe inicial: um grande festival (ou a produção da própria artista) permitiu que um homem invadisse o palco durante a apresentação dela para relatar PUBLICAMENTE o quanto ele se arrependia pelos erros cometidos (lê-se traição que vou abordar mais tarde) interrompendo ela e o exercício do seu trabalho. Eu não vou nem citar que o propósito pelo qual ele subiu ao palco e foi atrás dela poderia muito bem ter sido violência, poderia ser um ex maluco se fazendo de arrependido pra agredir ou humilhar ela de alguma forma. Ok, não era. Era um rapper conhecido, integrante do grupo Migos e não um homem publicamente acusado ou acusado em instâncias jurídicas de ser uma pessoa violenta – pelo que a gente saiba – não que ser do meio hip hop tenha poupado alguém e a lista é longa, mas isso é um papo pra outro texto também. Pra esse texto não virar um compilado dos volumes completo de sandman, eu vou fazer um favor pra todos nós e tentar resumir pelos pontos que resolvi abordar. O maior problema é como ele pegou um momento dela e transformou em um momento dele e a gente já volta aqui.

Nessa semana também, outra polêmica pintou as cores dos nossos feeds de twitter e facebook: Kéfera, o mansplaining e manterrupting e tudo que isso provoca. Vamos lá: o feminismo academicista e os problemas dele. Eu enxergo o ambiente acadêmico como extremamente necessário pra formulação de ideias e acabamento delas, acho muito importante que temas como o racismo, feminismo, aborto, legalização das drogas estejam presentes e efervescentes na academia, nas faculdades e nas escolas porque, afinal, as pessoas que estão hoje nas faculdades serão os futuros juízes, jornalistas, professores, etc… mas confesso que eu tenho um certo problema com esses termos em inglês pra falar sobre algo tão essencialmente enraizado na nossa cultura como o machismo, principalmente porque as mulheres mais afetadas – principalmente fisicamente – pelo machismo não estão nas academias e provavelmente elas nem saibam o que quer dizer machismo e feminismo.

O maior problema desses movimentos estarem predominantemente nos ambientes acadêmicos é que eles caem naquilo que o nosso bom e velho Mano Brown falou nas eleições: não estão na base, não dialogam com o povo e me incomoda profundamente esse feminismo classista, eu acho que as discussões podem até começar nas faculdades, mas que elas tem de ter um propósito: chegar nas pessoas que realmente precisam ouvir aquela mensagem. Sinto que muitas vezes o feminismo da academia é egoísta (quase vazio) e não é realmente feminismo pelo feminismo (o que é bom pra todas nós), é feminismo pelo meu próprio bem (e o que é bom ou não pra mim) e eu não vou dizer que isso invalida o movimento, mas certamente o enfraquece e afasta quem poderia agregar a ele (as próprias mulheres negras, por exemplo, que não se sentem representadas em nada por esse feminismo).

A Kéfera virou um meme e voltaram a compartilhar declarações machistas e sexistas dela (mesmo depois dela fazer um vídeo se retratando pelos pensamentos dela ANTES dessas declarações voltarem a tona, diferente de alguns outros que foram pedir desculpas DEPOIS e foram rapidamente perdoados, guess what: homens também, mas ok). Pra gente entender onde eu quero chegar a o que isso tem a ver com a Cardi B, pra início de conversa a Kéfera acabou de descobrir o feminismo. O movimento ainda é algo recente pra ela e, sinceramente, eu não a culpo. Logo quando eu descobri o feminismo queria quebrar as paredes de todos os lugares com os meus gritos de raiva sobre como o mundo era totalmente injusto quando a gente é mulher e eventualmente isso passa – não essa vontade de mudar as injustiças, mas essa raiva guardada e essa mágoa contida que aparece como uma enxurrada de sentimentos quando a gente estoura a bolha, mas no meio do processo entendemos uma coisa chamada de retórica, que é a nossa eloquência e capacidade de argumentar bem e ao contrário do que a gente pensa não é necessariamente o estudo, o academicismo, os livros que nos ensinam isso e não é também o nosso lugar de fala (que é MUITO importante), é o nosso lugar de escuta.

Acho super importante que a gente tenha a noção de quando um assunto faz parte do nosso contexto e quando ele não faz, o que nos daria a consciência de saber quando opinar ou não sobre ele, mas ainda mais importante do que isso é a nossa capacidade de realmente estar disposto a escutar e aprender com as outras pessoas. As discussões de hoje em dia não são mais discussões na qual duas pessoas querem se escutar a aprender, na verdade, todo mundo quer falar o tempo todo e a gente só quer ouvir a outra pessoa pra ela validar o nosso pensamento ou pra que a gente possa mostrar quantos argumentos nós temos e como eles são validos.

O acontecimento do Encontro com a Fátima, na qual a Kéfera discutiu com um dos homens da plateia (caso você não faça ideia do que eu to falando clica no link acima ou faz um twitter de uma vez, recomendo) mostra exatamente o que eu citei acima, eu não acho que ela tenha sido mal intencionada, embora tenha sido rasa- apesar de achar que ele foi tanto mal intencionado, quanto totalmente irresponsável no comentário, mas foi a representação das discussões da internet na qual ninguém quer realmente escutar, aprender ou rebater com argumentos válidos e isso é um puta problema, principalmente (voltando ao rap) dentro de um cenário tão representativo como o do hip hop – mesmo que a Kéfera não tenha nada a ver com o hip-hop mas a internet tem. Infelizmente esse tom que pode parecer à muitos arrogante, mas que eu entendo é um tom de defesa, afasta as pessoas que poderiam estar próximas à nossa luta e somando à ela.

E o retrato disso dentro do rap é que essa necessidade constante de autoafirmação acaba tornando os discursos tão repetitivos que eles perdem o sentido. Calma, vou explicar. Eu não quero reforçar nenhum estereótipo e nem ser usada de exemplo pra homem justificar ‘homice’, mas confesso que até pra mim o rap de algumas minas acaba ficando vazio justamente pelo feminismo de academia que citei acima que não é representativo pra ninguém a não ser elas mesmas, porque? Já é de conhecimento público que o som de um cara só tem que ser bom, o som de uma mina tem que ser EXCELENTE e quando a gente se identifica como algo, no caso do meu exemplo: como feministas, parece que essa pressão pra que agente seja sempre excelente faz com que a gente sempre use esse discurso ao invés de ‘ser’ esse discurso, é por isso que sons de artistas como Tassia Reis, Drik, Clara, Bivolt se destacam tanto na cena porque elas não precisam dizer que são feministas pra que as pessoas percebam isso e no fundo, no fundo mesmo, essa é uma crítica que eu to fazendo pra mim mesma.

Pra resumir meu pensamento sobre isso vou deixar uma parte desse verso da Alt Niss na cypher Rima Delas que em poucas palavras explica exatamente o que eu penso:

pras  nega véia de quebrada isso aí é só palavra difícil.
Como é que fala fia, é feminismo?
amanhã eu to de pé as 5h
meus filho no 12 pra comprar tênis
ces vem com idéia que ninguém entende
esquerda de boy é caviar e béck
e a função aqui iludindo as mente  

Porra, quer algo mais ‘manterrupting‘ (que traduzido ficaria hominterrompendo) do que o cara SUBIR NO PALCO no meio do show de uma mulher pra – interromper ela- tirando todo foco dela e colocando no seu arrependimento – a expondo, além do fato de se colocar no centro das atenções como o coitadinho, fazendo com que a notícia vire “Offset sobe ao palco pedindo perdão e querendo reconciliação com Cardi B” ao invés de “Cardi B faz sucesso em apresentação no festival tal“, e eu não duvido que tenha sido uma armação da própria assessoria da cantora ou mesmo uma armação entre ela e o ex marido, e ainda assim não justifica a romantização que isso gerou e normalização com a qual foi tratada – mesma coisa pro enredo por trás de Lemonade e 4:44. Não é nada romântico o sofrimento de uma mulher colocado em uma obra completa e sensível mas que vira só “o álbum lá que a Beyoncé fez com o Jay Z depois da traição dele” ou que gerou frases que víamos em todos os lugares “se até a Beyoncé foi traída, eu que não vou escapar“. A opção de perdoar foi dela e ninguém tem que opinar ou julgar mas não normatizem o comportamento dele pela traição, isso só fortalece o discurso de que tá tudo bem agir assim e não tá. Destrói a autoestima das mulheres – mas isso é papo pra outro texto. Vi vários caras da cena da música falando sobre o ocorrido, alguns criticando, alguns apoiando e fica aqui o meu pedido de hoje para os homens.

Segundo estudo realizado em 2017 pelo Instituto de Inclusão Annenberg, apenas 22% das músicas mais populares entre 2012 e 2017 eram de artistas mulheres e, entre as 899 indicações ao Grammy nos períodos de 2013 a 2018, apenas 9,3% eram do sexo feminino. Então pros homens que passaram o dia cagando regra sobre a Cardi e a Kéfera. Vocês querem REALMENTE nos ajudar? Escutem as minas (nos dois sentidos). Esse é o recado de hoje.

 

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