Heis que na madrugada do dia 10, no sapatinho, Carlos Gallo liberou pelo canal de Don L, no youtube, seu esperado 2º trabalho solo: “Veterano”. Do Latim “Vetus”, que significa “Velho”, o termo busca representar Gallo na cena de rap brasileira. Porém, o latim aqui não cabe. Aos 44 anos, Carlos nunca soou tão contemporâneo, tão relevante, tão corajoso e porque não, com a empolgação de um jovem que ainda tem muito o que contar. Ser veterano definitivamente não é ser velho, é ser referência!
No dicionário Michaelis, Veterano diz-se de “alguém que tem muita experiência e prática em qualquer ramo de atividade”. Talvez seja isso, Nego Gallo é um dos nomes mais importantes da história do rap cearense, nordestino e brasileiro. Sua experiência transborda nas linhas. Em 2007, com o Costa a Costa, lançou a mixtape Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência, trabalho que influenciaria a carreira de todos os integrantes posteriormente, com elementos de Fortal, transpirando referências ao gueto nordestino e proporcionando identificação e auto-estima pra população. A mistura de estilos, assim como em Veterano (que une trap, reggae, ragga e dancehall, trabalho de Coro MC com coprodução de Leo Grijó) é algo constante na carreira dos ex integrantes do grupo Don L e Nego Gallo, Berg Menes e DJ Flip Jay.
Logo no início da mixtape, que só é realmente uma mixtape por ter sido gravada em um home-studio numa comunidade de Fortaleza, Carlos mostra a referência ao reggae em Venha Em Chamas (Interlúdio), uma letra com jogo de palavras excepcional, um silogismo no qual pode-se deduzir que enquanto as flores morrem, pessoas agem como atores, em falas falsas e decoradas, em frente à televisão em sua alienação cotidiana e apenas quem sonha tem a chave da prisão.
Venha em chamas
Essa é a versão da vida que você verá
E quando esse som virar, uns vivido terão
Sonhadores tem a chave da prisão
Losers em frente à televisão louvam seus senhores
Flores agonizam decorando a sala, decorando as falas
Atores na sala de jantar
São as pessoas na sala de jantar
Carlos mostra todos os elementos que vão permear seu disco nos versos abaixo deste parágrafo: Fortal, verdade e amigos! Fica claro nas alusõess à cidade e nos feats que mostram o diálogo entre alguns locais do nordeste. Do Ceará, Gallo trouxe Coro MC, Don L e MC Mah. Da Bahia, Gallo apostou nos seus parceiros e pilares da cultura na capital soteropolitana: DaGanja e Galf AC. Na letra de “Acima de nós só o justo” o rapper faz referência aos amigos talentosos Vandal, Galf e Ravi.
O que te faz ser real?
Minha cidade me faz ser real (Um, dois!)
Meu bairro me faz ser real (Salve!)
Meus amigos me fazem ser real (Meus amigos, salve!)
Isso aqui é Fortal!No Meu Nome – Nego Gallo e Don L
Com o tempo, Nego Gallo foi assumindo a posição de um cronista periférico raro nos dias de hoje. No novo álbum, ele canta a realidade com a maestria e a malícia de quem já viu demais da vida. O rapper cearense vive o Hip Hop no mais intimo de seu ser, com sua música, sua função de educador, sua ajuda à cena nordestina com todas as referências e parcerias.
A semiótica da capa nos traz o próprio Carlos com uma uma balança tatuada nas costas, lugar em que todos nós carregamos as dificuldades do dia a dia .“Costa a Costa” é uma menção às regiões de Fortaleza (costa oeste e costa leste), cidade natal de Carlos. O reencontro é visto na canção No Meu Nome (Nego Gallo e Don L) uma união perfeita, num som com storytelling tão incrível que faz o ouvinte realmente imaginar cada cena descrita.
Vemos claramente a alusão ao grupo na linda fotografia que compõe a capa de seu disco. A foto de Antonello Veneri, pode ser interpretada de diversas formas. O artista italiano realizou o clique quando foi a Fortaleza para fazer um trabalho sobre os pescadores e o povo do mar. A questão da justiça que nos dá as costas, principalmente aos grupos invisibilizados pela nossa sociedade, mas mesmo assim todos continuamos avistando o horizonte, o futuro. A mix surge num momento crítico para o Ceará, no qual o número de detidos por envolvimento à ataques já está em 309. A onda de violência assola o Ceará desde a última quarta-feira, 2, promovida por organizações criminosas.
Filipi Filippo foi o responsável pela elaboração da arte, o mesmo Filipe que fez toda a parte gráfica de Caro Vapor – Vida e Veneno de Don L, Roteiro pra Ainouz, Vol.3 e todas as camisetas e pôsteres de Don L. Nego Gallo chega na capa com seu nome, Carlos Gallo, talvez uma referência a essa fase realmente pessoal do seu som. Realmente podemos fazer diversas interpretações.
Veterano é minha forma de agradecer a toda a cidade. Eu não tenho um bairro. Eu tenho uma cidade, tenho Fortaleza na minha caminhada. Veterano é uma forma de agradecer por toda amizade, consideração, respeito e generosidade de quem tá aqui, saca e vive o rap como ele se dá em Fortal, que é muito parecido do jeito como se dá em qualquer lugar do mundo.
Se não fosse a fé, eu seria quem?
Um qualquer, um ninguém preso ao medo
De ser ferido a ferro, e eu feri a quem?
Nem tropeço na rua eu tenho
Se não fosse a fé eu seria quem?
Um qualquer, um ninguém preso ao medo
De ser ferido a ferro, e eu feri a quem?
Nem tropeço na rua eu tenho
A caminhada me fez mais forte
A sorte sempre me acompanhou, eu sou do corre
É Deus a favor
E os de contra, né, conta com a sorte
Beck, rec, gravo a track, o mundo se move
DVD falou
Coro MC além de beatmaker, ele é um amigo, uma pessoa com quem a gente divide nossas ideias e que de vez em quando apoia
a gente em algumas loucuras. Acho que a função é contribuir, trazer luz e dar visibilidade a alguém que também tem talento, consciente do lugar que vem, da história que traz e como ele está contribuindo dentro da sua comunidade. Ele é de suma importância na cultura do rap aqui de Fortaleza, já trabalhou com vários artistas da cena e eu sou muito grato a ele.
O fundamento tá lá no passado
Aqui ninguém herdou nada
A luta foi o legado