Vitor Isensee recentemente lançou seu álbum solo de estreia “Vida e Nada Mais“, assinando agora como Izenzêê, bateu um papo exclusivo com nosso repórter Vitor Virax sobre o projeto, atual momento político, literatura, influências e muito mais. Confira:
Vitor Virax: Apesar de não esquecer as raízes, o Braza seguiu uma nova sonoridade e até proposta temática se comparado com o Forfun. Agora solo, como Izenzêê, sinto que ocorreu o mesmo. Conte para nós um pouco de como foi o processo criativo, são ideias de anos guardadas ? Você começou a pensá-las no momento que decidiu esta empreitada ? Você se recorda de quando decidiu lançar o primeiro trabalho solo ? Foi algo recente ou estava preso aí há um bom tempo ?
Izenzêê: Bom, eu procurei fazer algo com uma sonoridade totalmente diferente do Braza e Forfun, não esquecendo minhas raízes, claro. Minha ideia de lançar um trabalho solo surgiu exatamente quando quis falar sobre novos assuntos, com uma nova sonoridade, ter grupo é uma coisa maravilhosa mas também tem um ponto negativo de você não conseguir se expressar em sua totalidade pois tem que achar um ponto em comum entre todos os membros, solo, tenho total liberdade. As ideias e letras são uma mesclas, algumas já haviam sido criadas há um tempo e algumas surgiram posteriormente eu ter decidido fazer esse álbum.
Vitor Virax: Gostaria que você nos contasse quais foram suas principais influências musicais para este trabalho. Vi pontualmente um pouco de Black Alien, Chico Science, Chorão e muitos outros arquitetos da música “underground” brasileira.
Izenzêê: Vejo que tem muita coisa de rap, muita música brasileira dos anos 60 e 70 (mesmo que não tão explícita), Future Bass, VaporWave e demais coisas desse universo mais eletrônico e experimental. Esses nomes que você citou são sim influências, mas eu diria que são de vida, não necessariamente para esse álbum, cresci ouvindo eles. Da nova escola do rap tem uma galera que me influência muita como Kendrick, J Cole, Anderson Pak; No Brasil, Sant e até o Morcego que está no trabalho, eles são demais!
Vitor Virax: Vejo este trabalho despretensioso no melhor sentido da palavra, é bastante poético e ritmado, conceitualmente como o rap se propõe e ao mesmo tempo desprende-se de paradigmas clichês e ainda é atuante como Hip Hop (movimento). Você abordou inúmeros problemas sociais racismo, truculência policial e até tabus como o machismo. Conte-nos um pouco seu sentimento de colocar na rua um trabalho com tudo isso sendo um homem hétero, branco e vindo de grupos fora do rap (apesar de ter influências). Obviamente não há racismo reverso, tampouco heterofobia, mas você enfrentou até agora alguma barreira para que as pessoas entendessem ‘seu papo’ e/ou até foi criticado por lutar por tais posições numa posição de privilégio, como mesmo diz na música “Cada Cor” ?
Izenzêê: Meu disco de influência clara e direta do rap, como linguagem de expressão, mas foge do senso comum do mesmo, as sonoridades estão fora da caixa propositalmente, quero fazer o novo. Eu reconheço meus privilégios e como você mesmo disse, abordei tais temáticas no projeto e busquei me colocar num lugar de fala plausível, sem tirar o protagonismo do que sofre o preconceito na pele. O que eu acho é, todos nós, independente de cor, condição social e opção sexual podemos nos posicionar e lutar, sempre que for positivo, para construir, será bem vindo. Quanto às críticas; sempre tem e comigo não foi diferente, tento levar na esportiva e apenas absorver as positivas, eu até entendo o certo receio de alguns por não parecer o esteriótipo de um rapper, mas tenho certeza que ao aprofundarem a minha obra, mudarão de opinião.
Vitor Virax: Fiquei sabendo que um dos nomes cogitados para assinar as produções musicais e tudo que tange a produção fonográfica foi o Sebastian Piracés-Ugarte (integrante da banda Francisco El Hombre). Thomas Tróia acabou sendo o escolhido, conte-nos um pouco o porque da escolha e como é sua relação com ele ? Amigo de longa data ? Entrou em contato apenas para este disco ?
Izenzêê: O Sebastian da Francisco El Hombre foi fundamental para este disco, ele me motivou muito para eu colocar isso em prática. Nesse sentido eu até chegar a convidá-lo e ele aceitou mas infelizmentente nosso tempo não estava conciliando, além de que ele mora em São Paulo. O processo iria demorar muito e ia ser desgastante, acabei optando por convidar o Thomas Tróia, outro grande e talentoso amigo que comprou minha ideia e me ajudou muito no resultado final, quanto a sonoridade. Algo curioso é que iria sair no final do ano passado como um EP e por conta das festas e eleição, acabamos optando por soltar neste ano como disco.
Vitor Virax: Fala um pouco de como foi a experiência de tocar com o Braza esse fim de semana no Rock in Rio, um dos festivais mais cobiçados por artistas de qualquer que seja o gênero. E sobre shows, como conciliará a agenda do Braza e Izenzêê ? Você está aberto para contratantes ou apenas colocou este trabalho na rua sem a intenção – mesmo que imediata – de fazer shows pois priorizará o Braza ?
Izenzêê: Fiquei sem palavras, é o festival mais icônico do Brasil, foi mais um sonho realizado e o show em si foi sensacional, uma emoção inenarrável. Quanto a agenda de Shows, já está aberta! Irei me apresentar solo sim, conciliando com o Braza da forma mais saudável possível.
Vitor Virax: A Professora Rose Alves, conhecida por ser uma das pessoas de maior grau de escolaridade no Hip-Hop nacional, trouxe a seguinte tese em um importante projeto acadêmico:
“O rap é o um novo movimento literário verbal onde une pela primeira vez os movimentos de literatura parnasiana e modernista. Onde no parnasiano preza a beleza lírica, construção rica e o modernista preza pela simploriedade, para atingir o máximo de pessoas, o povão.”
Você além de músico e artista plástico, também é poeta né ? Já lançou os livros Vivas Veredas (2012) e A Todo Pano (2016). Gostaria de saber qual sua opinião sobre a tese desta professora, assim como você vê este disco poeticamente falando, sendo por si só, como obra, sendo em âmbito do rap mundial que ao meu ver atualmente vivemos no memento mais delicado, com letras mais genéricas e superficiais possíveis. E por fim, você conseguiria apontar um ou mais poetas que influenciaram diretamente nesta no Izenzêe ? Vejo um ar de uma poesia libertária, não necessariamente no que tange racismo ou uma determinada luta de minoria, mas a libertação de expressar-se sem medo e seguir seus sonhos. ‘O sobrevivendo no Inferno’ do Racionais MC’s por exemplo, vejo que tem muito de Castro Alves, que em o Navio Negreiro, por exemplo, é mais “Hip Hop” que 95% dos rappers atuais.
Izenzêê: Não conhecia esta tese mas tenho sim a concordar, vejo bastante poder no rap e ele vem para quebrar barreiras, desde seu início até os dias de hoje. Creio que daqui algumas décadas teremos sim uma posição contundente se o rap é ou não, em nosso momento, um movimento literário, humildemente, acho precoce para se afirmar. Sobre meu álbum, vejo muito de poesia confessional, modernista, marginal. Minhas principal influência como poeta é o Carlos Drummond de Andrade, também me influencio muito por Chacal, Clarice Lispector, Vinicius de Moraes; estão considero os pilares.
Confira nossa matéria sobre o álbum “Vida e Nada Mais”: