“Fugio” é o nome do disco que a rapper Tamara Franklin lançou neste 25 de agosto — num Brasil no qual, 132 anos depois do abolição da escravatura, homens e mulheres negras seguem na mira das “balas perdidas” saídas dos fuzis policiais, da negligência das “patroas” e “patrões”, da pandemia que os vitima com especial força. Em suas dez faixas, o álbum se afirma — tal qual aquelas fugas — como ato de resistência. O princípio do aquilombamento.
A consciência da ancestralidade que se revela no título atravessa todo o disco. Tamara sabe que o chão que pisa hoje — “Fugio” é em tudo, sonoridade e texto, um fruto deste tempo, que aponta para o futuro — foi construído ao longo de séculos. É nessa história que a rapper se insere.
“Fugio” (fugiu) era a primeira palavra de muitos dos anúncios de jornal que comunicavam a fuga de um escravo negro no Brasil do século XIX. Anúncios pagos pelos senhores, que ali ofereciam recompensas a quem recuperasse o “negro fugido” — descrito em “pernas grossas” e “pés esparramados”, como máquina, corpo desumanizado, mera força de trabalho. Por trás da crueldade banalizada naquelas poucas palavras, se escondiam histórias de homens e mulheres que se recusavam a aceitar o papel que era reservado a eles naquele mundo. A quem exigia deles a obediência, respondiam com a fuga — ato de resistência, de heroísmo, de coragem. O princípio do aquilombamento.